O dia do Rei

O dia do Rei

sexta-feira, 19 de julho de 2013

-Crítica-Roberto Carlos é "o cara"

Embora seja tudo programático, assistir a um show do Rei é carimbar o passaporte da brasilidade

PUBLICADO EM 27/05/13 - 03h00
A ensaísta norte-americana Susan Sontag escreveu, em 1964, um influente artigo, chamado “Notas sobre o Camp”. Nele, apontava a ascensão de uma nova sensibilidade, o camp, uma espécie de brega aceitável. Cá para nós, onde a indecisão é o regime, o camp já deitava e rolava há tempos – e nem a bossa nova foi capaz de varrer nossa natural barangália pelo tapete.


Ao ver Roberto Carlos subindo ao palco, em pleno 2013, em um ginásio lotado, introduzido por uma intervenção da orquestra, cheio de cerimônia kitsch, é difícil não pensar: ele é nosso camp máximo e bem resolvido.

Com um pequeno “detalhe”: ele é muito, muito maior do que isso. E nem a tradicional péssima acústica do seu castelo local, o Mineirinho (que não é uma brasa; é fogo, é dureza), conseguiu esconder isso. Vê-lo interpretar canções como “Lady Laura” ou“Mulher Pequena” é carimbar um furo no passaporte da brasilidade; são preciosas sínteses do que é viver por aqui; por causa da Jovem Guarda, do romântico, do apostólico e, evidentemente, por causa do lado brega – que felizmente já assumimos como coisa nossa. Não é síndrome terceiro-mundista, não é arroubo patriótico: é só uma sensibilidade, como diria Sontag.

Os milhares de súditos fiéis estão ali – estranhamente desanimados –, fazendo o coro em delay, as vozes que ecoam microssegundos depois do rei cantar. Senhoras com a escova em dia, rapazes bem trajados, a mãe daquele amigo de infância que não vemos há tempos... Show de Roberto é a missa matinal de um domingo, uma tradição que insiste em permanecer.

Tem seu valor? É óbvio! É necessário até. Levamos muito tempo para entender que, na lupa, a distância entre Caetano, Wando e, sei lá, “Anna Júlia”, não é tão grande assim. Todos fazem parte de um grande pacote colecionável chamado “canção brasileira”, cuja figurinha mais versátil é ele, Roberto Carlos.

Pode pegar todos: no show, fica claro que nenhum artista é mais “nossa cara” que ele. Transforma um gibi da infância no cão que sorri latindo (“O Portão”); discorre charmosamente sobre o sexo cotidiano (“Côncavo e Convexo”), transfigura um hino de igreja numa linda canção pop – ou seria o contrário? – (“Nossa Senhora”).
Ninguém mais consegue ser o hitmaker do puteiro (no pout-porri “sensual”), da festa de final de ano da firma (no pout-porri “rock”) e dos camarotes de astronômicos preços espalhados pelo ginásio ao mesmo tempo.

Converte os milhares e intermináveis gritos de “Roberto, eu te amo” em discursos do tipo “sou igual a vocês”. Mas os recém-conquistados ombros largos não escondem: é o super-herói que não se deixa errar, que faz um show programático e profissional.

“Esse Cara”, na verdade, é ele mesmo. Por mais que uma senhora na plateia dê a real depois do discurso do rei: “Esse cara só existe na novela”. E nas primeiras fileiras, o que se vê é o público filmando o cantor com celulares, olhos vidrados no telão.

“Camp é a resposta ao problema de como ser um dândi na era da cultura de massa”, escreveu Sontag. O dândi é como um pôr do sol: mantém o calor final de um tempo que está morrendo, escreveu o poeta. Então, o show de Roberto é puro exercício de dândismo, é camp em estado bruto. E nem o remix de Memê (bem 1994, diga-se) em “Fera Ferida” resolve essa angústia.

Seguimos sonhando com um Rick Rubin conduzindo o rei como fez com Cash; com um disco de inéditas para valer. Ah, bicho, fazer como Erasmo em “Rock n’ Roll”, mora? Renovar. Talvez o que falta ao rei é a calibragem certa na democracia. E talvez esse Roberto já esteja ali no show, na pausa voz e violão de “Detalhes”. Basta ele próprio perceber isso.
fonte-O tempo

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